MOÇÃO DE REPÚDIO À INTERVENÇÃO EM CURSO NO EDIFÍCIO DA PRIMEIRA ESTAÇÃO RODOVIÁRIA DE SALVADOR

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MOÇÃO DE REPÚDIO À INTERVENÇÃO EM CURSO NO EDIFÍCIO DA PRIMEIRA ESTAÇÃO RODOVIÁRIA DE SALVADOR

 

A Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA), o Mestrado Profissional em Conservação e Restauração de Monumentos e Núcleos Históricos (MP-CECRE), o Programa de  Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPG-AU), junto com o DOCOMOMO Bahia-Sergipe (International Working-party for Documentation and Conservation of buildings, sites and neighbourhoods of the Modern Movement) e os laboratórios de pesquisa associados a ele LAB 20 da UFBA e o LAPem da UFS vem a público manifestar o seu repúdio frente às demolições intempestivas e injustificáveis executadas no Edifício da Primeira Estação Rodoviária de Salvador. Mesmo que não tombado, o monumento da Antiga Rodoviária constitui indubitavelmente um exemplar único da arquitetura baiana, tanto em termos históricos quanto arquitetônicos, cujos valores estão postos em risco frente à intervenção destrutiva que está sofrendo. 

O valor histórico da Primeira Estação Rodoviária Armando Viana de Castro está no fato de ter sido o primeiro equipamento do tipo (símbolo por si só de modernidade e desenvolvimento urbano) na capital soteropolitana e no Estado - inaugurado em 1963 após breves onze meses de construção, em um importante momento de urbanização modernizadora e rodoviarista. Estratégico tanto para a capital quanto para o Estado e, por isso, uma das mais importantes obras do século XX no Estado da Bahia, respondeu por articular Salvador com os demais municípios do país e, principalmente, com as maiores capitais brasileiras.

É, também, o primeiro edifício em concreto protendido do Estado da Bahia, o qual permitiu seu destacável e incomum desenho estrutural, onde a geometria racional dos ângulos obtusos e agudos dinamiza o espaço, tornando-o múltiplo e mutável. Cada elemento dessa composição arquitetônica faz menção ao outro: três coberturas intimamente vinculadas e associadas, como as articulações das asas de um grande pássaro são aqui as protagonistas absolutas e parecem querer alçar voo; a caixa d’água, um tronco de pirâmide invertido em concreto aparente, destaca-se como elemento vertical, a guisa de campanário, sinalizando a presença do edifício e convidando ao seu adentramento; distinguindo-se visivelmente do térreo, o pavimento superior não se sobrepõe completamente ao mesmo, mas apenas projeta-se sobre ele com um recortado mezanino, cuja angulação dialoga com as faces triangulares dos pilares que ora tangencia, ora envolve, relação pilar-mezanino essencial na dinamização da fachada, fragmentando a percepção de simetria e abrindo outros vieses da configuração estrutural, movimento que expande o espaço interno rumo ao externo, corroborada pela sua sensível implantação no terreno.

Ao demolir o balanço do mezanino, seccionando sua projeção, a intervenção em curso estabelece um arremedo de simetria que jamais foi desejado para o edifício nem existiu, o que demonstra claramente o desconhecimento do valor arquitetônico dessa obra de Diógenes Rebouças e Assis Reis, simplesmente os dois maiores arquitetos modernos da Bahia, autores de obras como a Antiga Fonte Nova, o Hotel da Bahia e a Escola Parque, além de incontáveis outras. A demolição condena, ainda, o valor artístico somado pelos belos painéis de azulejo do ceramista alemão Udo Knoff, que foram aplicados sobre as paredes nuas em concreto aparente por volta de 1974, quando da implantação do mercado da COBAL no edifício.

Em se tratando de intervenções projetuais em patrimônio cultural, faz-se necessário, entender os processos que o levaram da construção à descaracterização, diagnosticando suas diversas patologias e identificando as potencialidades de interação com o entorno, em participação na vida cultural cotidiana da população, visando o resgate da sua memória, da sua arte, sua espacialidade e sua condição de equipamento de uso público, valorizando as suas qualidades peculiares e revelando-o como monumento merecedor de zelo e atenção. O equívoco não está no uso em si (o qual parece bastante oportuno), mas na ausência de conhecimento, entendimento e respeito ao monumento, na desconsideração da relevância história, artística e urbana deste edifício icônico para a cidade de Salvador, marco e referência na paisagem, que deve, antes de tudo, ser recuperado em sua imagem, espacialidade, plasticidade e permeabilidade; em representatividade na vizinhança das Sete Portas e em influência na cidade, incentivando a apropriação desse lugar como pertencente à cultura e à identidade soteropolitanas.

 

Salvador, 06 de dezembro de 2019

 

 

Professora Dra. Naia Alban Suarez

Diretora da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA)

 

Professor Dr. Rodrigo Espinha Baeta

Coordenador Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (PPGAU – UFBA)

 

Professora Dra. Ana Carolina Bierrenbach

Documentation and Conservation of buildings, sites and neighborhoods of the modern movement Bahia Sergipe (DOCOMOMO BA SE) e Núcleos associados

 

 Professora Dra. Juliana Cardoso Nery

Coordenadora do Mestrado Profissional em Conservação e Restauração de Monumentos e Núcleos Históricos da Universidade Federal da Bahia (MP-CECRE UFBA)